Trechos selecionados do artigo “O que Filosofia da Ciência pode nos ensinar sobre os problemas da informação?“, de Rafael Teixeira, que se desdobrou também em um podcast.
A filosofia da ciência é um ramo específico da filosofia que se propõe a fazer um discurso sobre a ciência, seja para elaborar críticas à metodologia científica e ao discurso científico contemporâneo, seja para defender o projeto científico e elaborar bases mais sólidas para esse discurso. […]
Veja também:
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Filosofia da ciência é um ramo de uma área maior da filosofia que chamamos de epistemologia. Este seria o estudo do conhecimento, seu funcionamento e suas possibilidades. Em nosso tempo, provavelmente porque a ciência passou a ter grande destaque na nossa sociedade e a se mostrar como a forma de conhecimento com maior sucesso e maior prestígio, o ramo da epistemologia que se debruçou sobre a ciência passou a crescer muito e a dominar o discurso da área (gerando até críticas da parte de filósofos de que a epistemologia mais geral estaria sendo esquecida em favor dessa filosofia da ciência).
História
[…] a filosofia da ciência em seu percurso sempre aparentou ser um ramo que direcionava um enfoque sobre a ciência, mas com pretensões de ser um pouco mais. Apareceu principalmente como um discurso que se debruçava sobre as ditas ciências naturais para avaliar seus avanços e a segurança de seu conhecimento.
Em específico, boa parte de uma primeira leva da filosofia da ciência parecia tecer avaliações sobre a física e áreas próximas a ela, sendo que isso se tornou até uma crítica recorrente, de que nosso ramo se dedicava muito à física e ignorava as particularidades de outras áreas científicas. Isso não foi, no entanto, arbitrário. A física se mostrou repetidamente uma área bastante sólida e causou forte impressão. Pierre Duhem, em seus textos muito pertinentes de filosofia da ciência, fazia antes de tudo um discurso sobre a física (ele mesmo era um físico), mas não sem deixar escapar pretensões maiores, de que a física matemática, sendo a ciência mais aperfeiçoada e precisa, era um modelo para as outras ciências, esperando que esse modelo fosse seguido.
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Karl Popper foi pessoalmente muito tocado pelo poderio teórico da física no acontecimento histórico em que a teoria de Albert Einstein previa um fenômeno ainda não observado anteriormente, e que foi confirmado no eclipse de 1929. Era muito poderoso esse modelo de conhecimento capaz do que chamamos de “poder preditivo”: de tal forma conseguia apreender a realidade (ao menos num discurso de realismo científico como o de Popper) que conseguiu prever dados empíricos antes que eles ocorressem. Einstein previu que a gravidade de um objeto muito massivo poderia curvar a trajetória da luz (que se supunha ser sempre reta) e no eclipse foi possível tirar fotos das estrelas por trás do sol, cuja luz passava próxima a ele, e observar que suas posições estavam realmente erradas, ou seja, a luz curvou sua trajetória ao se aproximar do Sol e chegou na câmera num ponto diferente do que normalmente chegava no céu noturno.
O poder da física chocava, e hoje mais ainda o poder das ciências em geral, em especial os desenvolvimentos biológicos e suas capacidades de intervenção tecnológica. Entretanto, uma filosofia que se detém na tarefa de abordar esses diferentes campos científicos acaba esbarrando em suas particularidades, e antes de se unificar num discurso só sobre o conhecimento ela se fragmenta em filosofia da física, filosofia da biologia, filosofia da química e mesmo filosofia da medicina etc.
Ainda assim é recorrente que discursos inicialmente direcionados para ciências específicas, como o sobre a física do Duhem, ou aquele sobre as ciências mais experimentais, como o de Popper (e ele tinha critérios bastante rígidos para determinar o que era ciência ou não, com seu conceito de falseabilidade) foram muitas vezes tomados como influência e generalizados como ferramentas para ajudar a pensar outras formas de ciências, como as ciências humanas, ou mesmo conhecimento no geral.