Estudar o campo científico por meio da recepção a Thomas Kuhn

Tema de pesquisa: como mapear as posturas de cientistas em relação à ciência, esclarecendo os pressupostos desses posicionamentos?

Extraído do artigo “The specificity of the scientific field and the social conditions of the progress of reason“, em que o sociólogo Pierre Bourdieu sugere – e desenvolve brevemente – uma leitura da ciência a partir das respostas a um livro de Thomas Kuhn:

 “As reações provocadas pelo livro de Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, […] pode proporcionar material experimental de alta qualidade para uma análise empírica das ideologias da ciência e a sua relação com as posições dos seus autores no campo científico. É verdade que esse livro, o qual nunca realmente deixa claro se está descrevendo ou prescrevendo a lógica da mudança científica (um exemplo de prescrição implícita: a existência de um paradigma é sinal de maturidade científica), instigou os seus leitores a buscar respostas à questão da boa e da má ciência. Entre aqueles a quem a linguagem nativa chama ‘radicais’, o livro de Kuhn foi visto como um convite à ‘revolução’ contra o ‘paradigma’, ou como uma justificação da pluralidade das visões de mundo – duas posições no livro que provavelmente correspondem a diferentes posições dentro do campo.[1]Original: “The reactions provoked by Thomas Kuhn’s book, The structure of scientific revolutions, […] would provide high-quality experimental material for an empirical analysis of … Continue reading

Pressupondo o conceito desenvolvido por ele, o de campo, Bourdieu coloca como problema de pesquisa entender a constituição do campo científico, como se constitui, que posições podem ocupar os cientistas em sua organização e quais ideologias se ligam a elas. Nas recepções de A estrutura das revoluções científicas, propõe ele, há evidências dessa ordem, dessas posições e dessas ideologias. Ele anuncia já uma hipótese: aos elogios distintos da revolução científica e da pluralidade de visões de mundo, perspectivas que podem ser atribuídas ao livro, relacionam-se convicções ideológicas que balizam o campo.

References

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1 Original: “The reactions provoked by Thomas Kuhn’s book, The structure of scientific revolutions, […] would provide high-quality experimental material for an empirical analysis of the ideologies of science and their relationship with their authors’ positions in the scientific field. It is true that this book, which never really makes clear whether it is describing or prescribing the logic of scientific change (an example of implicit prescription: the existence of a paradigma is a sign of scientific maturity), invited its readers to seek answers to the question of good and bad science. Among those whom the native language calls “radicals”, Kuhn’s book was seen as an invitation to “revolution” against the “paradigm”, or a justification of liberal plurality of world views – two positions on the book probably corresponding to different positions within the field”.

Na pesquisa, o ideal é ser científico, acadêmico e crítico

No artigo “What kind of science can Information Science be?” [Que tipo de ciência pode ser a Ciência da Informação?], publicado em 2012, o professor da Universidade de Berkeley Michael Buckland define o que deve caracterizar o ato de pesquisa e a postura do pesquisador:

Apesar da palavra ciência ser às vezes aplicada de maneira para qualquer corpo de conhecimento (por exemplo, domestic science [“ciência doméstica”; em português, usa-se “economia doméstica”], library science [“ciência de biblioteca”; em português, usa-se “biblioteconomia”]), aqui nós a usamos no sentido normativo que designa as ciências físicas e formais (por exemplo, a química, a matemática e a física). A ciência é um empreendimento construtivo. Ser científico envolve a montagem de modelos. Hipóteses e teorias são desenvolvidas para explicar e para predizer fenômenos observáveis. Ser acadêmico envolve mais do que ser erudito. Exige a busca ativa por evidências contrárias às nossas teorias. Isso vale para todos os campos: para as humanidades, as ciências sociais, as ciências e as práticas profissionais. Neste contexto, ser crítico não é uma questão de ser hostil ou negativista, mas de fazer perguntas sobre premissas e escolhas metodológicas. Como as conclusões a que chegamos foram determinadas, ou pelo menos influenciadas, por certas pressuposições e decisões de método? O ideal é ser científico e acadêmico e crítico. Quanto mais nos aproximarmos desse ideal, mas robustas as nossas ideias serão.[1]Tradução de: “Although the word science is sometimes used broadly for any body of knowledge (e.g., domestic science, library science), here we are using it in the normative sense as denoting … Continue reading

São, assim, três facetas: o ser científico, o ser acadêmico, o ser crítico. “Ser científico” é uma relação com o objeto: observar e propor meios de compreensão; é planejar e construir, como ele enfatiza. Já “ser acadêmico” tem um vetor destrutivo, por assim dizer, pois deve se voltar contra o que se erigiu – para saber se fica de pé. Entre “ser científico” e “ser acadêmico” pode, portanto, se estabelecer um círculo virtuoso no qual o fenômeno é a cada vez melhor delineado. Por fim, “ser crítico” é questionar as bases sobre as quais somos científicos ou acadêmicos: como observamos, em que esquemas compreendemos, sob que critérios planejamos, com quais materiais construímos?

Veja também:
>> “É possível ensinar pensamento crítico?“, por Rafael Teixeira

Na medida em que Buckland descreve o trio científico-acadêmico-crítico como um ideal, temos que ele constitui o horizonte de pesquisa e deve orientar a subjetividade do pesquisador – contudo, no contato com a realidade pode sofrer modulações. Dadas as condições de cada investigação, dados os momentos específicos pelos quais passa, o quão científicos, acadêmicos e críticos estamos sendo? Essa parece ser a pergunta sugerida por ele.

References

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1 Tradução de: “Although the word science is sometimes used broadly for any body of knowledge (e.g., domestic science, library science), here we are using it in the normative sense as denoting formal and physical sciences (e.g., chemistry, mathematics, and physics). Science is a constructive enterprise. Being scientific involves model-building. Hypotheses and theories are developed to explain and to predict observable phenomena. To be scholarly involves more than being knowledgeable. It requires the affirmative search for evidence contrary to one’s theories. This is true for all fields: in the humanities, the social sciences, the sciences, and professional practices. In this context, being critical is not a matter of being hostile or negative, but of asking questions about underlying assumptions and methodological choices. How have conclusions been determined, or at least influenced, by particular assumptions or the choice of method? The ideal is to be scientific and scholarly and critical. The more we can approach that ideal the more robust our ideas will be”.

A ausência do gesto e da oralidade na Organização do Conhecimento

Tema de pesquisa: como a área da Organização do Conhecimento pode compreender as formas gestuais e orais de conhecimento?

Extraído do livro Introduction to Knowledge Organization [Introdução à Organização do Conhecimento], de Claudio Gnoli, que apresenta uma história da formação do conhecimento, identificando que

[…] a necessidade de organizar o conhecimento cresce na medida em que nos aproximamos do conhecimento socialmente compartilhado. De fato, se nós chamarmos as coisas por um jargão conhecido apenas por nós e nossos parentes, isto não vai servir para comunicar e coordenar ações com outras pessoas. Para tais propósitos algum ‘vocabulário’ e alguma ‘gramática’ comuns se tornam necessários. As comunidades humanas desenvolveram desse modo sistemas simbólicos compartilhados, como gestos, rituais, palavras, fórmulas, ditos, lendas e mitos.

No nível societal novas formas de organização se tornaram relevantes. Por exemplo, provérbios podem sumarizar ricas quantidades de conhecimento social em dizeres que são facilmente aprendidos e memorizados; canções infantis com frequência listam entidades em ordem numérica (‘um é o Sol, dois são os olhos…’), taxonomias folk, como se vê no léxico dos dialetos, transmitem conhecimento práticos sobre relevantes espécies de planta e animais. Até a Idade Média a maior parte do conhecimento era ensinado de maneira prática e oral mesmo para estudantes avançados, e técnicas mnemônicas permitiam a eles que retivessem informação ao imaginar arquiteturas do tipo ‘teatros da memória’, que eram organizadas por regras de associação.

Tudo isso é de interesse potencial para o domínio da Organização do Conhecimento, mas até o momento tem sido mais estudado por outras disciplinas, como a etnografia e a etnolinguística. Um estudo dos princípios pelos quais formas gestuais e orais de conhecimento são estruturas ainda está por ser desenvolvida no campo a que esse livro é devotado. Entretanto, especialmente desde a disseminação das técnicas de impressão, o conhecimento tem sido transmitido crescentemente em formas registradas […], e a Organização do Conhecimento se desenvolveu por meio do estudo de documentos registrados.[1]Original: “However, the need to organize knowledge grows as we move to socially shared knowledge. Indeed, if we call things only by a jargon known to us and our relatives this will not serve to … Continue reading (p. 19-20, grifo nosso)

O trecho destacado delimita a lacuna: falta ainda, no campo da Organização do Conhecimento, compreender as estruturas dos saberes orais e gestuais e quais recursos de organização essas formas do conhecimento empregam. Entre outros problemas de pesquisa está esse: como esses formas de organização orais e gestuais se relacionam com as formas de organização dos materiais impressos?

References

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1 Original: “However, the need to organize knowledge grows as we move to socially shared knowledge. Indeed, if we call things only by a jargon known to us and our relatives this will not serve to communicate and coordinate action with other people. For such purposes some common ‘vocabulary’ and ‘grammar’ become necessary. Human communities have therefore developed shared symbolic systems, such as gestures, rituals, words, formulas, sayings, tales and myths.

At the societal level new forms of organization become relevant. For example, proverbs can summarize rich amounts of social knowledge in sayings that are easily learned and memorized; nursery rhymes often list familiar entities according to numerical order (‘one is the Sun, two are the eyes …’); folk taxonomies, as reflected in the lexica of dialects, convey practical knowledge about classes of relevant plants and animals. Until the Middle Ages most knowledge was taught in practical and oral forms even to learned students, and mnemotechnics allowed them to retain information by imagining such architectures as memory ‘theaters’, which organized it by rules of association.

All this is of potential interest to the domain of KO, but until now has been studied mostly by other disciplines, such as ethnography and ethnolinguistics. A study of the principles according to which gestural and oral forms of knowledge are structured is yet to be developed in the field to which this book is devoted. However, especially since the spread of printing techniques, knowledge has been transmitted increasingly in recorded forms […], and KO has developed through the study of recorded documents”.

Pensar como se faz o contemporâneo, sem tornar-se inoperante

O filósofo Éric Sadin, ao analisar o tema da inteligência artificial, perseguiu uma via que podemos emprestar para discutir temas atuais. Em L’intelligence artificielle ou l’enjeu du siècle: anatomie d’un antihumanisme radical [em tradução livre, “A inteligência artificial ou o desafio do século – Anatomia de um antihumanismo radical”; sem tradução em português; há uma em espanhol, que utilizamos], ele propõe três abordagens. A primeira consiste na recuperação da história dos termos usados na discussão e está presente nessa passagem:

Para fazer uma exploração teórica a altura dos dilemas da época, convém questionar primeiro a noção de ‘inteligência artificial’ desde a sua raiz, questionar até mesmo como a temos chamado, na medida em que os termos que usamos sempre contribuem para forjar nossas representações.[1]Original: “Para hacer una exploración teórica a la altura de los dilemas de la época, conviene cuestionar primero la noción de ‘inteligencia artificial’ desde su raíz, … Continue reading (p. 34-35)

De início, então, desnaturalizar o discurso; apreender como ele se constituiu e o que constitui em nós. Já a segunda e terceira abordagens veem-se no seguinte parágrafo:

Esta tarefa, que se relaciona com a filosofia política, exige identificar as linhas genealógicas, a pluralidade de interesses em jogo, os efeitos de toda ordem gerados sobre as nossas existências, o substrato ideológico que pretende assentar uma visão higienista das coisas, assim como a dimensão psicológica, mesmo quase neurótica, que se expressa na aspiração de erigir uma ‘inteligência artificial’. Não obstante, diante da rápida consolidação das trajetórias em curso, somente a elaboração de um corpus crítico se revelaria bastante inoperante se não trabalhássemos ao mesmo tempo tecendo laços frutíferos e possivelmente recíprocos entre teoria e práxis.[2]Original: “Esta tarea, que se relaciona con la filosofía política, exige identificar los linajes genealógicos, la pluralidad de intereses en juego, los efectos de todo orden generados sobre … Continue reading (p. 42)

Tradução em espanhol do livro de Sadin

São dois momentos que se complementam: o da percepção de como o objeto de nosso interesse é formado no interior de disputas, qual conjunto de ideias pressupõe, com que estruturas mentais se relaciona e quais efeitos acarreta (Sadin se propõe uma “investigação genealógica”, que “pode tomar uma multiplicidade de caminhos para expor a natureza composta e resultantes dos múltiplos jogos de forças que constituem todo fato histórico”[3]Original: “[…] la investigación genealógica puede tomar una multiplicidad de caminos para exponer la naturaleza compuesta y resultante de múltiples juegos de fuerzas que caracterizan a … Continue reading); e o do diálogo teoria e prática, buscando que a pesquisa tenha consequências. Assim, trata-se de captar e interferir em um contexto de conhecimento e poder.

Esses apontamentos metodológicos lhe atraem, servem à sua pesquisa? Conte para a gente.

References

References
1 Original: “Para hacer una exploración teórica a la altura de los dilemas de la época, conviene cuestionar primero la noción de ‘inteligencia artificial’ desde su raíz, cuestionar incluso cómo la hemos llamado, en la medida en que siempre los términos que usamos contribuyen a forjar nuestras representaciones”.
2 Original: “Esta tarea, que se relaciona con la filosofía política, exige identificar los linajes genealógicos, la pluralidad de intereses en juego, los efectos de todo orden generados sobre nuestras existencias, el sustrato ideológico que pretende asentar una visión higienista de las cosas, así como la dimensión psicológica, incluso cuasi neurótica, que se expresa en la aspiración a erigir una ‘inteligencia artificial’. Sin embargo, ante la rápida consolidación de las trayectorias en curso, la elaboración solamente de corpus criticos se revelaría como bastante inoperante si no trabajáramos y al mismo tiempo tejiendo lazos fructíferos posiblemente recíprocos entre teoría y praxis”.
3 Original: “[…] la investigación genealógica puede tomar una multiplicidad de caminos para exponer la naturaleza compuesta y resultante de múltiples juegos de fuerzas que caracterizan a todo hecho histórico”.

O Que é Filosofia da Ciência?


Trechos selecionados do artigo “O que Filosofia da Ciência pode nos ensinar sobre os problemas da informação?“, de Rafael Teixeira, que se desdobrou também em um podcast.


A filosofia da ciência é um ramo específico da filosofia que se propõe a fazer um discurso sobre a ciência, seja para elaborar críticas à metodologia científica e ao discurso científico contemporâneo, seja para defender o projeto científico e elaborar bases mais sólidas para esse discurso. […]

Veja também:
>> “Luciana Zaterka: Filosofia da Química, Nietzsche e Transhumanismo“, entrevista por Duanne Ribeiro
>> “Os modos de existir de Bruno Latour“, por Tiago Salgado

Filosofia da ciência é um ramo de uma área maior da filosofia que chamamos de epistemologia. Este seria o estudo do conhecimento, seu funcionamento e suas possibilidades. Em nosso tempo, provavelmente porque a ciência passou a ter grande destaque na nossa sociedade e a se mostrar como a forma de conhecimento com maior sucesso e maior prestígio, o ramo da epistemologia que se debruçou sobre a ciência passou a crescer muito e a dominar o discurso da área (gerando até críticas da parte de filósofos de que a epistemologia mais geral estaria sendo esquecida em favor dessa filosofia da ciência).

História

[…] a filosofia da ciência em seu percurso sempre aparentou ser um ramo que direcionava um enfoque sobre a ciência, mas com pretensões de ser um pouco mais. Apareceu principalmente como um discurso que se debruçava sobre as ditas ciências naturais para avaliar seus avanços e a segurança de seu conhecimento.

Em específico, boa parte de uma primeira leva da filosofia da ciência parecia tecer avaliações sobre a física e áreas próximas a ela, sendo que isso se tornou até uma crítica recorrente, de que nosso ramo se dedicava muito à física e ignorava as particularidades de outras áreas científicas. Isso não foi, no entanto, arbitrário. A física se mostrou repetidamente uma área bastante sólida e causou forte impressão. Pierre Duhem, em seus textos muito pertinentes de filosofia da ciência, fazia antes de tudo um discurso sobre a física (ele mesmo era um físico), mas não sem deixar escapar pretensões maiores, de que a física matemática, sendo a ciência mais aperfeiçoada e precisa, era um modelo para as outras ciências, esperando que esse modelo fosse seguido.

Obra de Eduardo Loxley

Karl Popper foi pessoalmente muito tocado pelo poderio teórico da física no acontecimento histórico em que a teoria de Albert Einstein previa um fenômeno ainda não observado anteriormente, e que foi confirmado no eclipse de 1929. Era muito poderoso esse modelo de conhecimento capaz do que chamamos de “poder preditivo”: de tal forma conseguia apreender a realidade (ao menos num discurso de realismo científico como o de Popper) que conseguiu prever dados empíricos antes que eles ocorressem. Einstein previu que a gravidade de um objeto muito massivo poderia curvar a trajetória da luz (que se supunha ser sempre reta) e no eclipse foi possível tirar fotos das estrelas por trás do sol, cuja luz passava próxima a ele, e observar que suas posições estavam realmente erradas, ou seja, a luz curvou sua trajetória ao se aproximar do Sol e chegou na câmera num ponto diferente do que normalmente chegava no céu noturno.

O poder da física chocava, e hoje mais ainda o poder das ciências em geral, em especial os desenvolvimentos biológicos e suas capacidades de intervenção tecnológica. Entretanto, uma filosofia que se detém na tarefa de abordar esses diferentes campos científicos acaba esbarrando em suas particularidades, e antes de se unificar num discurso só sobre o conhecimento ela se fragmenta em filosofia da física, filosofia da biologia, filosofia da química e mesmo filosofia da medicina etc.

Ainda assim é recorrente que discursos inicialmente direcionados para ciências específicas, como o sobre a física do Duhem, ou aquele sobre as ciências mais experimentais, como o de Popper (e ele tinha critérios bastante rígidos para determinar o que era ciência ou não, com seu conceito de falseabilidade) foram muitas vezes tomados como influência e generalizados como ferramentas para ajudar a pensar outras formas de ciências, como as ciências humanas, ou mesmo conhecimento no geral.

Uma história do racismo científico no iluminismo alemão

Tema de pesquisa: quais as relações entre racismo e iluminismo, racismo e ciência no século XVIII?

Extraído do livro Africa, Asia, and the History of Philosophy – Racism in the formation of the philosophical canon, 1780-1830 [África, Ásia e a História da Filosofia – Racismo na formação do cânone filosófico, 1780-1830], de Peter K. J. Park. O autor demonstra como, sob influência da filosofia de Kant, a partir do século XVIII o gênero “história da filosofia” se transforma, abandonando não só o que era sua forma padrão – a das “vidas e opiniões dos filósofos” –, mas também realizando a exclusão de continentes inteiros do campo do saber. Park apresenta o seu recorte e o seu percurso, e não deixa de notar que há um horizonte mais amplo em que o seu esforço se inclui:

Este trabalho não é uma história do racismo científico no iluminismo alemão. Essa história ainda espera para ser escrita. E quando ela vier à tona, proverá uma contextualização vital para os leitores do meu trabalho. Essa história mostrará que racismo dos tipos identificados pelos cientistas sociais da nossa época existia no século XVIII.[1]Original: “The present work is not a history of scientific racism in the German Enlightenment. That history still awaits to be written. And when that history comes out, it will provide a vital … Continue reading (p. xii)

As fontes tratadas em Africa, Asia, and the History of Philosophy são principalmente alemãs – é uma história da filosofia na Alemanha e Park propõe uma história do racismo científico na Alemanha. Outros problemas de pesquisa podem surgir de levar esse enfoque para outros países. Qual é, por exemplo, a história do racismo científico no século XVIII brasileiro? Isso influenciou nossa filosofia?

References

References
1 Original: “The present work is not a history of scientific racism in the German Enlightenment. That history still awaits to be written. And when that history comes out, it will provide a vital context for readers of my work. That history will show that racism of the modes or types identified by our contemporary social scientists existed in the eighteenth century”.

Como se entende o conceito de conceito?

Tema de pesquisa: como os pesquisadores de uma área determinada compreendem o que é um conceito?

Extraído da tese de doutorado Ordem dos conceitos na Organização da Informação e do Conhecimento, em que Marivalde Francelin, hoje professor da Universidade de São Paulo, apresenta conceitos de conceito na filosofia, nas ciências cognitivas, na terminologia, nos estudos da linguagem, e, principalmente, na Ciência da Informação, seu foco – o principal resultado do trabalho é uma análise de citações das revistas de Ciência da Informação brasileiras. Nas considerações finais, o pesquisador retoma seu percurso e propõe:

Esta pesquisa é apenas um primeiro passo na discussão sobre as questões epistemológicas, teóricas e metodológicas sobre o conceito no interior das reflexões e operações de organizar informação para circulação e acesso. Desse modo, apenas parte da literatura sobre o tema foi explorada, tendo em vista a pressão do tempo para realizar a pesquisa. Fica como sugestão para estudos futuros a análise de teses, dissertações, trabalhos de eventos e livros, como forma de obter um panorama abrangente sobre o tema. (p. 185; grifo nosso)

A proposta é ampliar o panorama – Francelin trabalhou com revistas acadêmicas, outros resultados podem ser conseguidos se forem analisadas “teses, dissertações, trabalhos de eventos e livros”. Outros problemas de pesquisa podem surgir da possibilidade de realizar pesquisa similar dando ênfase a outras áreas. Por exemplo, como se usa e entende os conceitos na psicologia, na física, na matemática?

Por que pesquisar, Thaís Almeida?

Trecho de uma entrevista da série Da Pesquisa Brasileira. Leia completa

Precisamos entender o mundo onde vivemos se queremos continuar vivendo nele. As pessoas se esquecem que somos animais nessa teia que é a biota da Terra, só uma pequena parte desse aspecto físico do universo. Se não quisermos nos extinguir, precisamos compreender todos os aspectos que são tangíveis a nós (dadas as nossas limitações), para superarmos as dificuldades que a nossa espécie enfrenta e vai enfrentar cada vez mais no futuro, para sobreviver. A pesquisa fornece esse conjunto de informações. Mesmo não parecendo que cada informação em si seja relevante, está tudo conectado e precisamos de todas as peças possíveis para entender o mundo se quisermos sobreviver. O modelo atual de vida do Homo Sapiens, exaurindo e poluindo os recursos como se isso não fosse alterar o próprio ambiente onde vivemos, já se mostrou catastrófico. O crescimento descontrolado da população é, para mim, um dos principais problemas subjacentes a toda essa crise e eu não tenho visto ninguém abordando isso com a urgência merecida. Pode parecer idealista, mas sem a ciência e sem o conhecimento básico e aplicado sendo construído, revisto e expandido a cada dia, iremos nos extinguir, como qualquer outra espécie que já existiu.

Além desse propósito imediato, a pesquisa é o empreendimento humano que nos afasta mais da nossa animalidade. Imagina, somos animais capazes de explorar e criar explicações (mesmo que limitadas, mesmo que imperfeitas), sobre nós mesmos, sobre o ambiente em volta de nós. Somos capazes de fazer extrapolações sobre áreas tão distantes do universo que provavelmente nunca visitaremos (mas que conseguimos enxergar). Pensamos sobre o que não vemos, o que já existiu e o que já ocorreu, o que irá existir e o que irá ocorrer. Do ponto de vista pessoal, é uma forma fascinante de se viver.

Thaís Almeida é doutora e mestre em biologia vegetal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e graduada em ciências biológicas pela mesma instituição. É pesquisadora e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém.